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O dom de benzer: a sobrevivência dos rituais de benzeção nas sociedades urbanas.| Parte I

  • casadocaminhoaruan
  • 17 de mai. de 2023
  • 3 min de leitura

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A prática da “benzeção” ou “benzeduras1 ” remonta ao período colonial no Brasil. Ela teria vindo da Europa, sendo prática comum desde a Alta Idade Média. Laura de Mello e Souza (1986) descreve que era costume de camponeses levarem animais para a basílica pra receberem a bênção do padre e assim livrarem-se de doenças e enfermidades. A origem de tal prática remonta aos escritos bíblicos. Várias passagens, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento mostram personagens dando e pedindo a “bênção2 ”. Na Idade Média a bênção era dada por padres, clérigos e outros membros da instituição Católica apenas. Mas com o tempo, pessoas comuns e sem a autorização da Igreja passaram a praticar tais atos, prestando serviços de benzeção à comunidade em que viviam. Tais práticas, quando não reconhecidas nem autorizadas pela Igreja Católica, eram perseguidas e condenadas pela Igreja e pelo Estado. “Em 1499, D. Manuel determinava que, juntamente com os feiticeiros, os benzedores fossem ferrados com um F em ambas as faces” (SOUZA, 1986, p. 184). Também nas Ordenações Filipinas, código de leis instituído em Portugal durante o governo de Filipe II da Espanha durante a União Ibérica (1580-1640), havia a ordem para que não se praticasse a benzeção sem a autorização da Igreja e do Estado3 . Se a prática já era conhecida em Portugal durante a Idade Média, nada mais natural que a mesma viesse aparecer também no Brasil Colonial, e aqui se modificasse diante da dinâmica cultural existente neste período. No entanto, são poucos os relatos da prática da benzeção no Brasil, o que não significa que eles não existissem, como nos alerta Laura de Mello e Souza (1986): Nos tempos coloniais, a documentação fala muito pouco dos benzedores. Fica difícil dizer se realmente eram escassos ou se a Inquisição, as devassas episcopais e os demais poderes se importavam pouco com eles. Como o hábito de benzer perdura ainda hoje entre nós, a segunda hipótese parece ser a mais provável (SOUZA, 1986, p. 184). Hoje encontramos em diversas cidades espalhadas pelo Brasil pessoas que praticam o ato da benzeção, seja para curar doenças, livrar de “mau-olhado”, “quebranto”, entre outros objetivos. Tal prática sobreviveu a longos anos de perseguição pela Igreja Católica Ortodoxa, que por várias vezes tentou eliminar as diversas práticas religiosas que não condiziam com a ortodoxia católica4 , práticas estas que compõem o enorme quadro conhecido como catolicismo popular. Em Mara Rosa, cidade do interior de Goiás, situada a 350 km da capital do estado, Goiânia, encontramos uma forte rede de benzedores e benzedeiras que ainda mantém este ofício. Em nossa pesquisa, conseguimos mapear um número de dez pessoas que perpetuam esta prática, e através da pesquisa de campo e das entrevistas realizadas com eles e com adeptos, pretendemos fazer uma breve etnografia dos rituais da benzeção realizados e como eles se inserem na dinâmica religiosa da cidade.

[...continua...]


1. “Apesar de o termo benzeção se originar da palavra bênção, no senso comum criou-se uma clara distinção e oposição entre “bento” e “benzido”, “bênção” e “benzeção”. No meio popular, emprega-se o termo benzido para se referir à ação de membros leigos, os ditos benzedeiros ou benzedeiras. São profissionais independentes, sem ligação com uma instituição específica, que atuam em comunidades onde seus serviços são necessários. (...) Já o termo “bento” aproxima-se da ação de clérigos ou sacerdotes, em outros termos, de pessoas relacionadas à ação institucional da Igreja” (MOURA, 2009, p. 28-29).

2. Ver por exemplo Gênesis 48: 14-16 e 27:26-27 (apud MOURA, 2009).

3. Ver Código Filipino..., livro quinto, tt, IV, p. 1152 (apud SOUZA, 1986, p.184).

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