IEMANJÁ - Breve estudo
- casadocaminhoaruan
- 3 de fev.
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Iemanjá (Yemọjá na Nigéria, Yemayá em Cuba ou ainda Dona Janaína no Brasil; ver seção Nome e Epítetos) é o orixá dos ebás, divindade da fertilidade originalmente associada aos rios e desembocaduras. Seu culto principal estabeleceu-se em Abeocutá após migrações forçadas, tomando como suporte o rio Ogum de onde manifesta-se em qualquer outro corpo de água. Também é reverenciada em partes da América do Sul, Caribe e Estados Unidos. Sendo identificada no merindilogum pelos Odus irossum, Ossá e Ogundá,é representada materialmente pelo assentamento sagrado denominado Ibá de Iemanjá. Manifesta-se em iniciados em seus mistérios (eleguns) através de incorporação ou transe.
Celebrada em Ifé como filha de Olocum a divindade dos mares, essa simbiose lendária foi enaltecida no processo da diáspora africana resultando na assimilação de Iemanjá dos atributos da água salgada, sendo o motivo para a sua associação aos mares no Novo Mundo. Com o sincretismo de outras divindades e de influências europeias, foi imbuída de inúmeros atributos e poderes em uma grande variedade de cultos. O seu arquétipo maternal consolidou-se sobretudo como Mãe de todos os Orixás. Iemanjá nas palavras de D. M. Zenicola, "representa o poder progenitor feminino; é ela que nos faz nascer, divindade que é maternidade universal, a Mãe do Mundo".
No Brasil considerado o orixá mais popular festejado com festas públicas, desenvolveu profunda influência na cultura popular, música, literatura e na religião, adquirindo progressivamente uma identidade consolidada pelo Novo Mundo conforme pode ser observado em suas representações nos mais diversos âmbitos que em sua imagem reuniram as "três raças". Figura na Dona Janaína uma personalidade à parte, sedutora, sereia dos mares nordestinos, com cultos populares simbólicos e acessíveis que muitas vezes não expressam necessariamente uma liturgia. Nessa visão, segundo T. Bernardo Iemanjá "(...)é mãe e esposa. Ela ama os homens do mar e os protege. Mas quando os deseja, ela os mata e torna-os seus esposos no fundo do mar".
Nome e Epítetos
"Iemanjá", nome que deriva da contração da expressão em iorubá Yèyé omo ejá ("Mãe cujos filhos são peixes") ou simplesmente Yemọjá em referência a um rio homônimo cultuado nos primórdios do culto deste orixá. Na Nigéria, Yemọjá pronuncia-se com o som de "djá" na última sílaba.[12][nb 1] A versão lusófona amplamente mais aceita no âmbito acadêmico é Iemanjá, por vezes também assume a grafia de Yemanjá onde a letra inicial alude a origem do nome. Isso também observa-se no caso de Yemayá na Santeria em Cuba. No odu Ogundá é chamada de Mojeleu (Mọjẹlẹwu), esposa de Oquerê, rei de Xaqui. Também é conhecida como Aleyo na mesma região de Ebadó, Aietoró, Igã e Ocotó. Em Trindade e Tobago é chamada de Emanjá (Emanjah) ou Amanjá (Amanjah), e Metre Sili ou Agué Toroió (Agué Toroyo) na República Dominicana.
O seu nome na cultura popular brasileira Dona Janaína a Mãe d'água é associado por alguns autores a uma origem indígena mas não evidenciam seu significado ou grupo linguístico. No guarani existe Jara, pronúncia correta de Iara, significando, segundo M. A. Sampaio, "senhor, senhora, dono, dona, proprietário, proprietária. Não quer dizer 'senhora das águas'. Para esse termo, seria Y-jara: Y- água; jára, senhor ou senhora." Tal alusão à figura mitológica brasileira de Iara justificaria dois títulos em comum, Mãe d'Água e Sereia, e sua origem explica por que é tratada por "Dona". Lenz, H. Goldammer em seu dicionário de tupi e guarani identifica Janaína como corruptela de ja nã inã, que significaria "costuma ser semelhante ao solitário" ou "Rainha do Mar" em uma tradução livre do Tupi. O dicionário Houaiss registra a explicação da composição do nome por Olga Cacciatore como de origem iorubá: iya, "mãe" + naa, "que" + iyin, "honra". M. C. Costa, em um artigo referente, localiza sua origem no diminutivo de Jana, expressão portuguesa para Anjana, ser mitológico ligado às Xanas, uma espécie de fada ou ninfa da mitologia asturiana que vive nos rios, fontes e mananciais.[20] Já outro nome Inaê é segundo Édison Carneiro apenas aférese de Janaína com mais um "ê" eufônico.
Iemanjá também assume diversos epítetos e títulos em sua grande variedade de cultos. Segue uma lista incompleta, excluindo-se também qualidades e avatares (ver seção Qualidades e Avatares): Ayaba ti gbe ibu omi, rainha que vive na profundeza das águas;[Ibu gba nyanri, regato que retém a areia; Oloxum (Olosun), regato vermelho; Ibu Alaro, regato negro (anil); Olimọ, dona da folha de palmeira; Onilaiye, dona do mundo; Onibode Iju, guardiã da floresta; mãe de Minihun (Iya ominihun), em referência a minihun que é o nome que se dá às crianças que acredita-se concebidas graças a Iemanjá; Ayaba lomi o, rainha na água; Iá Ori, mãe da cabeça Rainha do Mar, Sereia.[Outras referências como Aiocá ou Princesa de Arocá parecem corruptelas de Abeocutá, cidade principal do culto de Iemanjá.
Mito
Muitos atributos e códigos morais de Iemanjá podem ser verificados em suas cantigas e oriquis, tradições orais entre os iorubás, seus itãs ou mitos e demais tradições também se preservaram de mesmo modo, estando segundo R. Ogunleye suscetíveis às limitações da memória e à extinção de saberes com a morte dos que a preservam. Com a perda de muitos de seu culto durante as guerras sofridas pelos ebás, que resultaram na sua migração para uma nova região, não é espantoso que seus mitos originais só aludam ao suporte de seu culto na nova localidade, o rio Ogum e não seu predecessor como adiante verificamos.
Os primeiros registros literários de seus mitos assim, como de alguns outros orixás, foram prejudicados por diversos equívocos. A. B. Ellis a ela associa uma gênese incestuosa influenciada por P. Baudin e repetida diversas vezes por autores como R. E. Dennett, Stephen Septimus Farrow, Olumide Lucas e R. F. Burton influenciados uns pelos outros, e ecoada no Brasil por Arthur Ramos e Nina Rodrigues. P. Verger inicialmente influenciado por tais mitos já alertava que os mesmos não eram mais conhecidos ou possível de se verificar na costa da África e posteriormente conclui tratar-se de uma série de equívocos e os rebate duramente em obras posteriores. Essas influências ocidentais imprecisas refutadas por Verger aderiram na interpretação de Iemanjá em sua associação com a gênese do mundo, sendo objeto de estudo assim retomado por diversos autores que veem em Iemanjá unida a Aganju (apresentado como irmão e marido) e posteriormente violada pelo filho, uma síntese da cosmogonia iorubá, passando a figurar como "mãe de todos os orixás" tal como apresentado por Poli ou culminando na visão poética de Prandi com Iemanjá ajudando pessoalmente Olodumarê na construção do mundo.
Para Poli, mesmo a concepção de Iemanjá que vislumbramos na obra de Verger é uma divindade já sincrética, como podemos conferir em sua associação a Ieuá e também Ieiemouô. Tal confusão não é grave no seu culto no Brasil por exemplo, onde Iemanjá tornou-se em uma nova interpretação segunda esposa de Oxalá-uma concepção dos mesmos de Obatalá-, formando o casal da criação. Alguns autores, como L. Cabrera em sua memorável explanação e abordagem sobre Iemanjá e Oxum, abordaram essa visão da diáspora centrada no seu novo contexto social, cultural e histórico, como é o caso de Cuba na análise da pesquisadora, não preocupando-se em um resgate propriamente a partir da origem.
No Novo Mundo, também observa-se uma moralização de sua figura em associação ao sincretismo com figuras do cristianismo, segundo Sousa Junior: "O exemplo mais ilustrativo disso é a perda de características guerreiras em detrimento da exacerbação de elementos como virgindade, pureza e docilidade, ideais por excelência da figura da Virgem Maria (...)", quando não em determinados momentos assume os aspectos da sensualidade em demasia, de amante, confundida na figura de Iara mesclada com as sereias europeias.como podemos verificar na Dona Janaína da obra de Jorge Amado ou das canções de Dorival Caymmi (ver seção Iemanjá e a Música Popular Brasileira), ou mesmo no culto de Lá Sirène ou Mami Uata no Caribe (ver seção Sincretismo).
Seus mitos permaneceram relacionados as águas, muito embora o orixá possa ter passado dos rios aos mares como observamos no Brasil e em Cuba, seja em substituição de cultos de divindades esquecidas no processo de diáspora como o de Olocum[nb que foi substituído no panteão afro-brasileiro por Iemanjá, ou o estreitamento demasiado dessas duas divindades de mesma família, como observamos cunhado na figura de Iemanjá Olocum (Yemayá Olokun) explorada por Cabrera.
Referências
↑ Ir para:a b Yuri Manuel Francisco Agostinho (2020). «Entre registros e memórias: um olhar sobre as festas populares e tradicionais de Luanda». Universidade Estadual de Ponta Grossa. Revista Internacional de Folkcomunicação. 18 (40): 96-111
↑ Arnaldo Rodrigues, p. 28
↑ Berkenbrock, p. 237
↑ Megale, p.76
↑ Autor não definido. Cantigas de umbanda e candomblé: Pontos cantados e riscados de orixás, caboclos, pretos-velhos e outras entidades. p. 19, Pallas Editora, 2015. ISBN 978-85-347-0583-7
↑ Sampaio, p. 61
↑ Ir para:a b A Outra origem de Janaína, artigo de Antonio Luiz M. C. Costa (28 de novembro de 2006).
↑ Koguruma, Paulo. Conflitos do imaginário: a reelaboração das práticas e crenças afro-brasileiras na "metrópole do café" 1890-1920. Ed. Annablume: Fapesp, 2001, 1º edição, p. 297. ISBN 85-7419-196-5
↑ FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1986, p. 914.
↑ CARYBÉ. Mural dos orixás. Salvador, Banco da Bahia Investimentos, 1979, p. 54.
↑ Jegede, Olutoyin Bimpe. A Poesia Laudatária e a Sociedade Nigeriana: a Oriki entre os Yoruba[ligação inativa]. pp. 76-78
↑ Ogunleye, Adetunbi Richard. Cultural identity in the throes of modernity: an appraisal of Yemoja among the Yoruba in Nigeria. Department of Religion & African Culture, Adekunle Ajasin University Akungba-Akoko Ondo State, Nigeria, 2015. p. 66
↑ Da Costa, Valdeli Carvalho. Umbanda: os seres superiores e os orixás/santos : um estudo sobre a fenomenologia do sincretismo umbandístico na perspectiva da teologia católica. Volume 1, Edições Loyola, 1983, p. 185
↑ Verger, Pierre. Etnografia religiosa iorubá e probidade científica. Revista Religião e Sociedade - nº 8, ISER, Editora Cortez São Paulo, 1982.
↑ Iwashita, p. 52
↑ Moura, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. EdUSP, 2004, p. 194. ISBN 85-314-0812-1
↑ Poli, pp. 88-90
↑ Prandi, 2001 apud Y. Manzini, p. 19 Arquivado em 6 de março de 2016, no Wayback Machine..
↑ Poli, p. 87
↑ Valéria Amim, Ruy do Carmo Póvoas. Iemanjá: Imagens Arquetípicas da Grande Mãe na Diáspora. p. 6
↑ Casemiro, Sandra Ramos. A Lenda de Iara: Nacionalismo Literário e Folclore. p.22
↑ Hélio Lopes, Alfredo Bosi. Letras de Minas e outros ensaios. Ed. USP, 1997, p. 174. ISBN 85-314-0381-2
↑ Bastide, Roger. As religiões africanas: contribuição a uma sociologia das interpenetrações de civilizações, Volume 2. Livraria Pioneira Editôra, Editôra da Universidade de São Paulo, 1971, p. 341
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